18.3.11

Os segredos do fundo da terra


Ano internacional do planeta terra
Os segredos do fundo da terra
Nos últimos 15 anos houve um notável progresso 
nas pesquisas sobre o que acontece no interior 
do nosso planeta, mas os cientistas ainda esperam
 novos avanços. Deles poderão surgir, por exemplo,
 maneiras de prever terremotos ou de programar o
 uso sustentável dos recursos naturais



Amy Nichole Harris/Shutterstock
Cratera com lava no Parque Nacional dos Vulcões, no Havaí.
A sociedade tem grande interesse nos progressos feitos pelos
 cientistas no estudo do interior da Terra. A expectativa se
 explica: há necessidades urgentes de fornecimento de 
água, recursos minerais, proteção contra desastres naturais
 e controle ambiental. A área teve enormes avanços nos últimos
 15 anos, particularmente em termos de técnicas de visualização
 remota, mas ainda é preciso ir além.
De qualquer modo, o que foi obtido nos últimos anos merece 
destaque. Nesse período, os geólogos começaram a compreender
 a geosfera em termos mais mensuráveis (quantitativos). Técnicas
 sísmicas mais avançadas levaram a um melhor conhecimento da
 estrutura tridimensional do manto (camada de rochas em estado 
sólido ou pastoso que representa 80% do interior do planeta, 
entre a crosta e o núcleo da Terra) e da litosfera (a região mais 
exterior da Terra, composta pela crosta terrestre e pela camada 
de placas tectônicas do manto). Pode-se descrever, em termos 
numéricos, como funcionam as profundezas do sistema Terra;
 ao mesmo tempo, 
a análise quantitativa de bacias em que os sedimentos se 
acumulam permitiu ligar o interior do planeta ao registro das 
alterações gravadas nesses sedimentos ao longo do tempo.
Formas melhores de "ver" através da rocha possibilitaram aos 
geocientistas compreender a estrutura da litosfera e de que
 modo a pressão exercida pelos movimentos das placas
 tectônicas a leva a deformar-se. Progressos recentes na 
datação permitiram descobrir a velocidade desses 
processos, com a precisão necessária para distinguir
 entre as diferentes forças que moldam a paisagem.
A modelagem da forma como o relevo muda ao longo
 das eras atingiu um estágio em que se podem reunir, no 
tempo e no espaço, estudos relativos à deposição de 
sedimentos e à sua erosão. Numa escala muito 
menor, técnicas 
de detecção que utilizam ondas sísmicas ou 
eletromagnéticas
 possibilitam o exame de problemas de arquitetura 
sedimentar (a maneira como diferentes sedimentos 
se estruturam).
A maneira como as rochas são erodidas em certas 
áreas da crosta terrestre e redepositadas em outras - e,
 ainda, como o interior plástico da Terra reage às
 correspondentes mudanças de pressão - recebe o 
nome de transferência de massa. Esse tópico se
 apresenta como uma nova fronteira nas atuais 
Ciências da Terra - ou seja, a tentativa de
 compreender quantitativamente tais processos.
O passo essencial rumo a uma abordagem em quatro
 dimensões (envolvendo, simultaneamente, espaço e tempo) 
precisa da modelagem dos processos da geosfera, de forma
 a incorporar dados em escalas menores com as técnicas
 atuais, de elevada qualidade, de visualização sísmica. 
É preciso explorar a Terra para obter uma imagem de
 alta resolução da estrutura e dos processos do seu interior.
Esse estudo passará por alguns temas-chave, apresentados a seguir.
Relevo - O relevo terrestre resulta da interação entre os 
processos que ocorrem no interior, na superfície e na 
atmosfera. Ele influencia a sociedade, não apenas em
 termos dos processos lentos da mudança da 
paisagem, mas também através do clima. Sua evolução 
(mudanças de nível nos continentes, na água doce e no mar) 
pode afetar seriamente a vida humana, animal e vegetal.
 Quando há uma subida dos níveis de água doce ou do mar,
 ou quando o continente sofre subsidência (afundamento
 abrupto ou gradativo da superfície), aumenta o risco de 
cheias, afetando diretamente ecossistemas locais e 
aglomerados
 humanos. Por outro lado, a queda dos níveis de água 
doce e o levantamento do continente podem levar a 
um maior risco de erosão ou mesmo de desertificação.
Essas alterações provêm tanto de processos naturais 
como de atividades humanas, embora a contribuição 
absoluta e relativa de cada fator ainda seja mal
 compreendida. O estado atual e o comportamento
 do Sistema Terra na superfície são consequência de 
processos que ocorrem em escalas de tempo bem 
abrangentes.
 Eles incluem:
>>Efeitos tectônicos a longo prazo no levantamento, 
na subsidência
 e nos sistemas fluviais;
>>Efeitos residuais das épocas glaciais nos movimentos da 
crosta terrestre (o peso do gelo acumulado pressiona a
 crosta, que leva milhares de anos para recuperar-se 
depois do degelo);
>>Alterações climáticas e ambientais ao longo dos
 últimos milênios;
>>Os poderosos impactos antropogênicos do 
século 20.


Nikolajs Strigins/Shutterstock

Nos últimos 15 anos houve um notável progresso nas
 pesquisas sobre o que acontece no interior do nosso 
planeta, mas os cientistas ainda esperam novos avanços. 
Deles poderão surgir, por exemplo, maneiras de prever
 terremotos ou de programar o uso sustentável 
dos recursos naturais

Compreender o atual estado do Sistema Terra, tanto 
para predizer o futuro quanto para programar o uso 
sustentável dele, implica entender melhor esse espectro 
de processos (operando simultaneamente, mas em diferentes
 escalas de tempo). O desafio para as Ciências da Terra é 
descrever o estado do sistema, monitorar suas alterações, 
prever sua evolução e, em parceria com outras ciências, avaliar 
diferentes modelos para seu uso sustentável por parte dos seres
 humanos.
A investigação deverá concentrar-se na interação entre a 
tectônica ativa, a evolução do relevo e as alterações do nível 
do mar a elas relacionadas, assim como o desenvolvimento do
 padrão de drenagem dos rios. Isso significa desenvolver uma 
estratégia integrada de observação e análise que enfatize as 
mudanças em grande escala em zonas vulneráveis do globo.

Atividades vulcânicas, com a emissão de
 gases, remodelam
 constantemente as características ambientais
 da crosta terrestre.


Geoprevisão - A crescente pressão que estamos 
fazendo sobre 
o ambiente nos torna cada vez mais vulneráveis. Temos necessidade
urgente de "sistemas de geoprevisão" cientificamente avançados 
que possam, de forma precisa, localizar recursos no subsolo e 
prever a altura e a magnitude de terremotos, erupções vulcânicas 
e a subsidência de terrenos. A concepção desses sistemas
 coloca um desafio científico multidisciplinar bem grande. 
A previsão dos processos que ocorrem na Terra também 
condiciona a previsão em outras ciências, como as oceanográficas 
e as atmosféricas.
Prever o comportamento dos sistemas geológicos requer um amplo
 entendimento dos processos e dados de alta qualidade. Espera-se 
que ocorra progresso nas previsões quantitativas relativas à interface 
entre a modelagem e a observação. É aqui que as hipóteses científicas 
são confrontadas com a realidade observável. Na sua versão mais
 avançada, a sequência integrada "observação, modelagem, 
quantificação dos processos, otimização e previsão" é levada a
 cabo de forma periódica (tanto no espaço como no tempo) 
e os resultados obtidos são vitais para a criação de novos
 desenvolvimentos conceituais.
Observar o presente - A informação sobre a atual estrutura
 do subsolo e do interior da Terra é um aspecto fundamental 
da ciência relativa à geosfera. Esse aspecto diz respeito ao 
estudo dos processos ativos e dos que já terminaram, mas
 que podem ter contribuído para as estruturas atuais. O estudo 
dos processos ativos é importante porque as observações a eles
 relacionadas (que envolvem, por exemplo, a atividade sísmica, a
 deformação superficial e o campo gravitacional da Terra) podem 
ser realizadas (e utilizadas) como condicionantes da modelagem 
desses processos. A compreensão relativa aos processos adquirida
 com esses exercícios é muito valiosa, pois permite guiar a 
reconstrução de processos passados.
Reconstruir o passado - Embora tenha mudado 
continuamente ao longo do tempo, a geosfera ainda
 possui vestígios da sua evolução inicial. Revelar os papéis
 desempenhados pelos processos litosféricos internos e
 externos no controle das taxas de erosão e da sedimentação
 representa um grande desafio.
A cobertura sedimentar da litosfera fornece um registro em
 alta resolução das mudanças ambientais, assim como da 
deformação e da transferência de massa à superfície e a 
diferentes profundidades da crosta, da litosfera e do manto.
 Nas últimas décadas, a análise sedimentar de bacias tem 
estado na vanguarda na integração dos componentes 
sedimentares e litosféricos dos campos (anteriormente separados) 
da geologia e da geofísica.
Um grande objetivo é integrar a tectônica ativa, os processos 
superficiais e a dinâmica da litosfera na reconstrução do antigo 
relevo das bacias e de suas áreas circundantes. Uma abordagem
 integrada é igualmente importante, considerando-se o papel 
social que essas bacias desempenham na localização de recursos,
como hidrocarbonetos. Além disso, uma vez que a maioria das 
pessoas mora atualmente dentro ou perto de bacias sedimentares
 (em zonas costeiras e deltas), tanto as populações como os
 aglomerados onde elas vivem permanecem vulneráveis a 
riscos geológicos colocados pela atividade do sistema Terra.



Deformação da litosfera - A forma como as rochas do manto 
terrestre "fluem" exerce controle sobre a espessura e a resistência 
das placas litosféricas, a extensão do acoplamento entre os movimentos 
das placas e o fluxo no interior da Terra e o padrão e a taxa de 
convecção na astenosfera (região de 700 quilômetros de profundidade 
que fica abaixo da litosfera), assim como sobre processos mais localizados.
 A fim de compreender o comportamento dinâmico da parte exterior da 
geosfera, é essencial um conhecimento detalhado da forma como 
"fluem" diferentes zonas do manto.

Chaminés Chaminés vulcânicas no fundo do oceano criam ecossistemas
 únicos, repletos de formas de vida que não existem em nenhum 
outro lugar, como essas estrelas-do-marvulcânicas no fundo do 
oceano criam ecossistemas únicos, repletos de formas de vida 
que não existem em nenhum outro lugar, como essas estrelas-do-mar





Nos últimos 15 anos houve um notável progresso nas pesquisas sobre o que acontece no interior do nosso planeta, mas os cientistas ainda esperam novos avanços. Deles poderão surgir, por exemplo, maneiras de prever terremotos ou de programar o uso sustentável dos recursos naturais

Modelagem e validação de processos - A modelagem dos processos da geosfera é um estágio transitório entre a modelagem cinemática (relativa aos movimentos mecânicos no interior do planeta) e a dinâmica. Esse desenvolvimento não pode ocorrer sem a interação com subdisciplinas relativas à estrutura e à cinemática da Terra ou à reconstrução de processos geológicos. A informação estrutural é um pré-requisito para a modelagem dos processos da geosfera. De modo semelhante, a informação sobre movimentos horizontais e verticais, tanto atuais como passados, é utilizada para formular e verificar hipóteses relativas a processos dinâmicos. Inversamente, os resultados obtidos a partir da modelagem motivam e conduzem a pesquisa na observação do presente e na reconstrução do passado.
As movimentações originárias do fundo da Terra trazem à tona substâncias que podem ser fonte de saúde, como a lama desse vulcão colombiano extinto.
Desafios e desenvolvimentos - Apesar do grande sucesso da teoria da tectônica de placas nas Ciências da Terra, ainda existem problemas fundamentais no que diz respeito à evolução dos continentes e a seu papel na dinâmica da litosfera e do manto. O processo de crescimento dos continentes, sua espessura e a associação dinâmica com o manto são tópicos a que uma série de subdisciplinas precisa prestar atenção.
Questões igualmente importantes ainda por resolver se referem ao mecanismo de controle da tectônica continental e a seus efeitos nos movimentos verticais, na dinâmica topográfica e na formação de bacias sedimentares. Nesse aspecto, é vital a dinâmica da separação dos continentes, de que forma as placas mergulham por baixo de outras, como as montanhas se erguem e são desgastadas pela erosão e seus efeitos na evolução da plataforma continental e nos processos de fronteira entre oceanos e continentes. Igualmente importantes são as taxas e as escalas em que esses processos operam.
Para quantificar os processos essenciais envolvidos no estudo da geosfera, é essencial associar forças internas e externas. O trabalho feito sobre as estruturas e os processos da crosta, a dinâmica da topografia e as bacias sedimentares registra progressos em escalas cada vez mais reduzidas.
Um Ano Internacional dedicado ao planeta
A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, proclamou um Ano Internacional do Planeta Terra 2007-2009 com o subtítulo "Ciências da Terra para a Sociedade". Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.
Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG) e a União Geográfica Internacional (IGU), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU).
Pelas diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma "preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos", envolvendo "todos os países (ou a maioria deles), independentemente do sistema econômico e social", e deve "contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais", dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.
Autores: Sierd Cloetingh (ISES, Holanda), com Rolf Emmermann (GFZ, Alemanha), John Ludden (CNRS, França), Hans Thybo (Copenhague, Dinamarca), Mark Zoback (Stanford, EUA) e Frank Horvath (ELTE, Hungria).