25.3.11

Buraco da Guatemala intriga geólogos brasileiros


Publicado em 1 de junho de 2010
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A Guatemala está sofrendo neste exato momento com uma grave crise provocada por duas calamidades naturais: a erupção do vulcão Pacaya em 27 de maio, e a tempestade tropical Agatha no último dia 29. A tempestade causa mais transtornos, com 30.000 refugiados, 120.000 evacuados e 92 mortos até o momento. Você pode ajudar as vítimas destas calamidades através desta lista de centros de apoio, ou em doações diretas a “Un Techo Para Mi País”.
Em meio à tragédia, pode parecer frívolo abordar supostos fenômenos insólitos, mas é nosso objetivo aqui mencioná-los justamente para esclarecê-los, para que sejam vistos na devida perspectiva sem desviar a atenção e ajuda de que nossos hermanos precisam.
O primeiro evento estranho foi a morte de um jornalista, atingido na cabeça por uma pedra lançada pelo vulcão Pacaya. A notícia pode soar bizarra, mas o complemento deve obliterar qualquer consideração insólita: “Dois cinegrafistas escaparam da chuva de pedras, mas sofreram ferimentos leves”. Não foi apenas uma pedra lançada que vitimou o jornalista, foi uma dentre uma chuva de pedras. “Na Guatemala há 288 vulcões, dos quais oito registram atividades”, termina a cobertura do G1: Pedra lançada por vulcão em erupção mata jornalista na Guatemala.
O segundo evento é o surgimento de uma enorme cratera na Zona 2 na cidade de Guatemala, visto na imagem que inicia este texto. A imagem é surpreendente: calcula-se que tenha 150 30 metros de profundidade e 4020 metros de diâmetro. Sua aparente perfeição também pode provocar todo tipo de especulação, como provocou em 2007.
Sim, como o jornalista Antonio Martínez Ron lembra, outra cratera praticamente idêntica, apenas um pouco menor, com 100 metros de profundidade, também surgiu na mesma região há dois anos. Abaixo, a cratera anterior:
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No caso anterior, a explicação é a mesma para nova cratera: chuvas intensas e redes de esgoto rompidas erodiram o terreno, provocando enormes cavernas subterrâneas até que o topo por fim cedeu. No caso de 2007 os relatos davam conta (em inglês) do som da água e esgoto ao fundo. Ainda aguardamos relatos detalhados sobre a cratera recente, que também deve ter torrentes de água em seu fundo.
Este fenômeno geológico é conhecido por erosão kárstica (em inglês). Algumas das maiores cavernas no mundo, como Optymistychna na Ucrânia com mais de 200km de extensão, foram esculpidas por este processo, em que a rocha é dissolvida pela água levemente ácida.
É um fenômeno natural descrito pela geologia há mais de um século, e especulações absurdas como “túneis de discos voadores”, como a vista no vídeo abaixo, só prejudicam a conscientização sobre o problema.
“Embora a repetição do fenômeno convide a pensar no pior, esta circunstância não quer dizer que a cidade de Guatemala esteja a ponto de ser tragada pelo abismo ou algo assim. Trata-se simplesmente de uma zona propensa a este tipo de falhas, que são as mesmas que dão lugar aos conhecidos cenotes de outras partes da América”, escreve Ron. “Em todo caso, um estudo geológico do subsolo seria apropriado para evitar, na medida do possível, futuros acidentes”. [via FogonazosBoingBoing]
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Atualização 13/06/2010: Desde o início do mês a enorme cratera na Guatemala continua intrigando muitos, o que não é ajudado pelos relatos conflitantes vindos de autoridades locais – sobrecarregadas como devem estar com uma série de emergências. No Brasil, pouco após publicarmos nosso texto, o G1 continuou sua cobertura notando como o Buraco da Guatemala intriga geólogos brasileiros, apoiando a explicação que mencionamos inicialmente de que, “para especialistas, rochas calcárias foram dissolvidas pela água”. A matéria no entanto também citou o professor da UFRN, Thomas Campos, que “acredita que estrutura construída pelo homem cedeu”. Para Campos, isso explicaria o formato circular do buraco, um cilindro “quase perfeito”, como muitos notam.
Enquanto isso, outro geólogo, desta vez norte-americano, dava uma terceira opinião, de certa forma intermediária. Segundo Sam Bonis, do Dartmouth College, disse ao Discovery News e à National Geographic, o enorme buraco não teria sido criado como um poço artificial antigo que foi depois tampado, como sugeriu Campos. Por outro lado também não seria erosão kárstica tradicional de rocha calcária, formando dolinas.
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Para Bonis, o buraco seria “resultado de piping”. Todo o solo da região seria composto a uma profundidade de centenas de metros por nada menos que uma espécie de pedra-pome compactada, rocha vulcânica de densidade muito baixa, frágil e que se desfaz facilmente com água. Enquanto a erosão kárstica comum que forma dolinas ocorre com águas de chuva naturais dissolvendo rocha calcária, o que ocorre na Guatemala é algo análogo mas diferente: água de tubulações artificiais, esgotos, erodindo um solo que não é calcário. “Parece-se com uma dolina sim”, Bonis nota, mas não existe um termo geológico preciso para o mecanismo que formou o buraco. Ele sugere então que é “resultado de piping”.
Há pouco, duas novas informações dão maior apoio aos comentários de Bonis. Além de dar as dimensões corretas à cratera – 20 metros de diâmetro por 30 metros de profundidade – pesquisadores da Defesa Civil descobriram uma “zona fraturada” próxima à parede da cratera, uma fenda. E então, finalmente pude ver esta fotografia do buraco:
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Confira mais imagens, de uma série de 14, no Christian Science Monitor. A imagem acima é a mais relevante: note como ao fundo da cratera parece haver uma galeria para onde a água é direcionada. Mais do que isso, note no canto superior esquerdo como filetes de esgoto caindo por canos quebrados já erodiram bastante as paredes do buraco. Indicam, como Bonis havia notado, que não é rocha calcária e sim um solo muito macio e que poderia ter sido erodido fácil e rapidamente pelo rompimento de tubulações.
Continuamos atentos a maiores explicações e confirmações, mas corrigindo nossas informações iniciais – sobre o tamanho da cratera, e sobre a natureza da rocha – ressaltamos como embora ainda haja o que explicar, a cratera não é nem foi um grande mistério. Como no caso anterior, o solo foi erodido pelo rompimento de tubulações de esgoto, em uma região com solo frágil de origem vulcânica. [com agradecimentos ao professor José Ildefonsoe @pedruivo]

Publicado em 6 de julho de 2010
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No início do mês passado, poucos dias após o surgimento de uma gigantesca cratera na Zona 2 na Guatemala, publicamos um texto “Explicando as crateras na Guatemala”. Como informamos, a explicação para a cratera seria a mesma de um enorme buraco muito similar surgido há três anos a poucos quilômetros de distância, na Zona 6:
“Chuvas intensas e redes de esgoto rompidas erodiram o terreno, provocando enormes cavernas subterrâneas até que o topo por fim cedeu”.
Mais de um mês depois, e com novas explorações realizadas por geólogos locais, podemos dizer que a explicação apresentada está correta, mas erramos ao associar o fenômeno à erosão kárstica, que envolve a dissolução de rocha sólida, geralmente calcária, e que costuma levar períodos de tempo relativamente longos (embora geologicamente rápidos). Atualizamos o texto com tais informações, com a colaboração de leitores eamigos como José Ildefonso e Pedro Ivo, mas dados adicionais mereciam um novo texto atualizando, corrigindo e detalhando estas explicações.
De pronto, as referências vagas que fizemos a redes de esgoto podem ser agora substituídas por informações confirmadas, e extremamente relevantes. No fundo das duas enormes crateras correm túneis coletores de águas, como ilustra o infográfico abaixo, de autoria de Nuestro Diario (30 de junho, p.5).
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Há alguns dias uma equipe de geólogos também explorou o fundo do buraco na Zona 2, e você pode conferir toda a série de fotografias clicando na imagem abaixo. Também há um vídeo da exploração. Não só não é um buraco sem fundo, que não leva ao centro da Terra ou qualquer outro lugar misterioso, é parte do sistema coletor de água e esgoto da região.
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Desta forma, todo o solo dos buracos não desapareceu magicamente, ao invés disso foi simplesmente levado com as águas e pelo sistema de água adentro. Tanto é assim que o corpo da única vítima na cratera da Zona 2,Edwin Roberto Velásquez Salazar, que se encontrava na fábrica de roupas engolida, foi encontrado dias depois no rio Las Vacas, destino final das águas do sistema. Nenhum mistério aqui.
E não apenas o fundo destes enormes buracos consistia de túneis coletores de água: mais importante, talvez, é que ambos os buracos já existiam como poços verticais, seja de visita ou de drenagem de água. Não eram poços tão largos, certamente, mas já possuíam a profundidade que exibem agora. As crateras se formaram pelo alargamento desses poços verticais originais. Boa parte do sistema coletor na cidade construído na década de 1950 não foi devidamente registrada, e à medida que a cidade cresceu construções surgiram sobre alguns poços não registrados. Este parece ser o caso aqui.
Como os poços podem ter se alargado tanto? Aqui também, novas informações esclarecem o tema. Geólogos locais sugerem que um elemento importante foi o desnível entre os túneis coletores subterrâneos, desnível este que colaborou para que as enxurradas da tempestade tropical danificassem os coletores e abrissem caminho para que as águas erodissem diretamente o solo frágil da região. O gráfico abaixo (clique para aumentá-lo, do Diario de Centroamérica) ilustra a evolução proposta das crateras no caso de 2007 (acima) e no de 2010.
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Em nossa atualização de meados de junho citamos as declarações do geólogo americano Sam Bonis, que foi parte da equipe que investigou o primeiro caso, e que corretamente apontou que as crateras não seriam dolinas, resultado de erosão kárstica. Segundo Bonis, seriam resultado de “piping”, do encanamento, e como estas novas informações, fotografias e gráficos devem ilustrar, o fenômeno pode se tornar finalmente mais compreensível.
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Gráfico acima: Nuestro Diario
[Créditos para quase todas as informações vai ao blog “Ciudad Nueva zona 2 Guatemala”, atualizado de forma detalhada sobre os eventos. Esta fonte foi indicada pelo professor José Ildefonso, que continua a colaborar imensamente e a quem também devemos nossos agradecimentos]